Instituto de Medicina Psicosexual defende que os perigos e riscos de consumir pornografia devem ser ensinados na sala de aula. Pesquisa mostra que para 30% dos adolescentes britânicos com mais de 16 anos, o sexo não correspondeu às expectativas criadas pela pornografia
Getty Images via BBC
“Minhas expectativas sobre como o sexo deveria ser estavam totalmente distorcidas”, diz a jovem britânica Nicki Briant, de 25 anos.
Ela conta que a pornografia a deixou com sentimentos negativos em relação ao sexo, uma sensação persistente de inadequação e problemas com seu próprio corpo.
“O sexo na pornografia parece muito orquestrado e perfeito, e muito voltado para os homens. Eu descobri que nunca, nunca era igual a qualquer tipo de experiência sexual que eu havia tido, então pensei que algo poderia estar errado”, diz Nicki, que é gerente de academia e personal trainer.
“Na vida real, o sexo é muito confuso, pegajoso, louco, e nada sai como planejado.”
Para evitar que adolescentes tenham essa relação negativa com o corpo e com o sexo, a entidade sem fins lucrativos Plan UK e o Instituto de Medicina Psicosexual defendem que os perigos da pornografia sejam ensinados nas escolas.
No Reino Unido, essa possibilidade já está sendo considerada em alguns locais: o governo do País de Gales diz que está analisando como tratar a questão da pornografia em seu novo currículo escolar.
Em fevereiro, um relatório do Comitê Britânico de Classificação de Filmes sobre a necessidade de proteger crianças e jovens da pornografia online revelou que 18% dos adolescentes com mais de 16 anos ativos sexualmente fizeram ou foram solicitados a fazer coisas que viram em filmes pornôs.
A pesquisa, feita com 1,1 mil crianças e adolescentes entre 11 e 17 anos no Reino Unido, mostrou que 29% dos participantes já se sentiram mal em relação ao próprio corpo diante da aparência das pessoas retratadas na pornografia.
E cerca de 30% dos adolescentes com mais de 16 anos disseram que o sexo não correspondeu às expectativas criadas pela pornografia.
Imagem deturpada
Nicki conta que nunca recebeu uma “explicação normal” sobre sexo, e que em sua casa havia “muita vergonha em torno do assunto”.
Aos 11 anos, ela foi exposta pela primeira vez à pornografia por meio de redes sociais, como o Tumblr, e isso teria uma grande influência em sua vida mais tarde.
“Há essa imagem da mulher na pornografia em que ela é muito submissa, meio barulhenta e quase irritante. Eu cheguei a imitar esse tipo de atuação porque achava que era o certo, que era isso que os homens queriam.”
E as imagens padronizadas a faziam sentir que seu corpo estava “profundamente” errado, levando-a a cogitar cirurgia plástica, como reconstrução vaginal.
Nicki acabou ficando tão traumatizada que decidiu se afastar da pornografia e buscar ajuda por meio de terapia sexual e retiros com ioga e meditação.
“A pornografia que eu consumia quando era mais jovem deturpou minha autoimagem corporal e o que eu pensava ou esperava que o sexo fosse. Sinto que poderia ter sido muito mais prejudicial se eu não tivesse percebido antes de ser tarde demais”, avalia.
Nicki Briant faz ioga para lidar com a ansiedade criada pela pornografia
BBC
‘O vício em pornografia era uma parte sombria da minha vida’
Owen*, hoje com cerca de 20 anos, ficou viciado em pornografia quando era adolescente – e isso ainda o deixa profundamente envergonhado.
Tudo começou quando terminou o colégio e muitos de seus amigos haviam entrado na universidade, e ele ainda não havia conseguido um emprego.
“Foi uma coisa para passar o tempo e foi ficando cada vez mais frequente”, afirma.
“Por um tempo, não tive nenhum relacionamento, então a minha autoconfiança era inexistente, e a pornografia passou a ser mais uma fuga da realidade. Uma mistura de tédio e falta de confiança, que me deixava deprimido.”
“Anos depois, mesmo com um emprego, uma boa vida social, um estilo de vida saudável, a pornografia ainda era uma parte sombria da minha vida. Teve um impacto nos meus relacionamentos, o que me deixou ainda mais deprimido”, acrescenta.
“Assumo total responsabilidade por minhas ações. Mas infelizmente o vício em pornografia existe, e não há ninguém com quem você possa falar sobre isso, porque as pessoas vão pensar que você é apenas uma aberração.”
‘A pornografia é exagerada’
A médica Kate Howells, especialista em saúde sexual e membro do Instituto de Medicina Psicossexual, afirma que muitos jovens consomem pornografia “para se educar”.
“Isso por si só pode causar problemas porque a pornografia é um ato sexual, mas não no contexto de um relacionamento. Muitas vezes, é exagerada e diferente do sexo normal”, diz.
Segundo ela, a pornografia também pode ter um efeito prejudicial nas atitudes das pessoas em relação ao consentimento, a saúde sexual e a autoimagem corporal.
“Acho que é importante não ter medo de perguntar sobre pornografia — o que eles [os jovens] assistem, quanto assistem, quando assistem”, acrescenta a especialista.
“E precisamos ter mais educação — a educação sexual precisa incluir falar sobre os riscos da pornografia. A educação sexual precisa incluir os efeitos nocivos da pornografia e trazer informações sobre a realidade dos relacionamentos amorosos e sobre o empoderamento de mulheres e homens.”
Kate Howells trabalha com saúde sexual há 25 anos
Empics
No País de Gales, o novo currículo escolar que entrará em vigor em 2022 terá uma maior ênfase em relacionamentos saudáveis ​​e sexualidade.
Rose Caldwell, da organização Plan International UK, diz que a diretriz para incluir o ensino dos riscos da pornografia no currículo escolar seria um “passo vital” para ajudar todos os jovens, sobretudo as meninas, a lidar com “questões difíceis e frequentemente complexas” envolvendo a sexualidade.
“É vital que eles estejam equipados com as informações necessárias para lidar com o sexo e relacionamentos de forma saudável, e que os professores se sintam apoiados para abordar esses tópicos de forma sensível e empoderadora”, analisa Caldwell.
De acordo com o governo do País de Gales, Relacionamentos e Educação Sexual (RSE, na sigla em inglês) será um requisito obrigatório no novo currículo escolar. Entre os conteúdos compulsórios, está ajudar os alunos a reconhecer quando os relacionamentos não são saudáveis, ensiná-los a se manter seguros e buscar apoio para si próprios e outras pessoas.
No Brasil, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação possui indicações para a educação sexual nas escolas em diferentes idades, mas não apresenta diretrizes específicas sobre como tratar da questão da pornografia.
*O nome foi alterado a pedido do entrevistado.

Fonte

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *