Estabelecida no nordeste da Nigéria desde o início dos anos 2000, a Jamā’at ahl al-sunna li’l-da’wa wa’l-jihād, mais conhecidacomo Boko Haram, é na origemuma seita radical. Desde 2009, o grupo terrorista fez mais de 27 mil vítimas mortais e desalojou 2,5 milhões pessoas dassuas casas, desestabilizando não somente o nordeste nigeriano mas também os países da Bacia do Lago Chade.

Início dos anos 2000. É na cidade de Maiduguri, capital do Estado de Borno, que um pequeno grupo de estudantes defende uma aplicação rigorosa da sharia, em vigor nos Estados do norte da Nigéria. Entre eles, está Mohamed Yusuf, um pregador carismático, que se apoia na ideologia salafista e reivindica uma abordagem ortodoxa do Islão.

Em particular, ele questiona o sistema educacional, tal como oque vigora nas escolas públicas. Daí o nome de Boko Haram: “A Educação Ocidental é um Pecado”.“Mohamed Yusuf fez um discurso religioso para denunciar o Governo nigeriano”, disse Yan St-Pierre, que dirige oMosecon, um centro de análise de contra-terrorismo. Bom orador, Mohamed Yusuf transmite as suas ideias para as classes populares, por meio de reuniões, mas também “CD, cassetes e programas de televisão” , precisou o pesquisador no Instituto de Estudos Políticos de Paris, mais conhecido como Sciences Po, Corentin Cohen.

DA CLANDESTINIDADE À VIOLÊNCIA

Originalmente, o grupo é um movimento não armado, mas as suas relações com as forças de ordem são tensas: manifestações reprimidas, detenções arbitrárias. As respostas da seita tornam-se cada vez mais musculosas. Em 26 de Julho de 2009, os militantes do Boko Haram atacam várias esquadrasdaPolícia.

O Exército nigeriano reprime o movimento, destrói a sua sede, centenas de fiéis morrem. A prisão e depois a execução pública deMohamed Yusuf pelasforças da ordem lançam a organização para o terrorismo. Em algumassemanas, a repressão do Exército faz mais de mil vítimas.

INSTALADOOTERROR

A execução do carismático pregador alimenta alguma frustração entre os partidários do Boko Haramem relação às autoridades. O grupo recruta e expande-se a outros Estados nordestinos como Bauchi, Yobe e Adamawa. Incrustra-se na Bacia do Lago Chade. À cabeça,o Imam Abubakar Shekau instaura o terror: os seus seguidores realizam assassinatos, atentados suicidas em locais públicos. O Boko Haram também tem como alvo esquadras de Polícia, edifícios públicos e símbolos do Estado federal. O grupo não hesita em pilhar e confiscar os bens das populações.

Diante de um Estado federal ainda pouco consciente da dimensão doproblema, os “jihadistas”actuam forte. Testemunha o ataque à bomba, em 26 de Agosto de 2011, contra a sede das Nações Unidasnum bairro diplomático de Abuja. A explosão, causada por um carro-bomba no coração da capital federal, causou 13 mortes. A onda de choque é significativa. E Boko Haram continua pungir onordeste da Nigéria e a região do Lago Chade: em 20 de Dezembro de 2013, os “jihadistas”destroem o campo militar de Bama, em 6 de Agosto de 2014 não enfrentam qualquer resistência para tomar Gwoza , onde, na sequência,proclamam um “califado islâmico”.

Em 24 de Novembro de 2014, cai Damasak, mais de 3000 habitantes procuram refúgio no vizinho Níger. Em 3 de Janeiro de 2015, centenas de combatentes armados com machetes, transportando-se em motocicletas e camionetas surpreendem os residentes de Baga, umimportante entroncamento comercial nasmargens do Lago Chadecom uma base militar. Os insurgentes incendeiam grande parte da localidade. É um verdadeiro massacre. Este ataque é uma vitória simbólica para o Boko Haram. Baga sedia a Força Multinacional Conjunta,uma formação militar regional integrando os exércitos nigeriano, nigerino, camaronês, chadiano e beninense.

O moral das tropas nigerianas é baixo. Os soldados estão em constante défice de meios: quando não lhes faltam armas ou munição, não hesitam em, antecipando-se aum possível ataque dos “jihadistas”, abandonar osseus postos.

Abuja é ultrapassado pela progressãorápida dos “jihadistas”. Somente em 2013 as autoridades federais declararam o estado de emergência em três Estados: Borno, Yobe e Adamawa. Elas levam muito tempo para terem consciência da gravidade da situação. “Provavelmente,no início (da revolta), nós – quero dizer a minha equipa e eu – tenhamossubestimado a capacidade de ‘incómodo’do Boko Haram”, reconhece o PresidenteGoodluck Jonathan, em entrevista ao jornal“This Day” na véspera dasua derrota para a reeleiçãoem 2015.

A vida dos habitantes do nordeste da Nigéria está totalmente virada ao avesso. Os camponesesnão têm mais acesso àssuas terras. Temendo a insegurança, muitos deixam os seus campos e vão se estabelecer em abrigos improvisados em torno de grandes cidades como Abuja ou Lagos. Hoje, segundo as Nações Unidas, há 1,8 milhão de deslocados internos na Nigéria. 

Mulheres e jovens são os principais alvos dos insurgentes do Boko Haram. Forçadas a casar com os “jihadistas”, as mulheres, quando não são usadas como “kamikazes”para cometer ataques em lugares públicos, são empregadas para recrutar potenciais “jihadistas”.

Na noite de 14 para 15 de Abril de 2014, militantes do Boko Haram invadem um colégio interno em Chibok, de onde levam à força 276 raparigas do ensino médio. Conseguem escapar 57, mas grande parte das adolescentes – a maioria cristã – permanece cativa dos “jihadistas”. O grupo vai transmitindo vídeos mostrando as raparigas de véu, convertidas a um Islão radical. Essas imagens, que circulam nas redes sociais, marcam a opinião pública internacional. 

DIVIDIDO, MAS AINDA UMA AMEAÇA

Em Fevereiro de 2015,Muhammadu Buhari, militar de carreira, é eleito presidente. Ogeneral aposentado vence com uma promessa: erradicar o Boko Haram. Buhari quer reintroduzir a transparência e a disciplina nas fileiras de um Exército acusado de cometer crimes extrajudiciais no nordeste do paíse eliminar aimagem de um Exército corrupto. Testemunha a prisão em 1 de Dezembro de 2015 do coronel Sambo Dasuki,ex-conselheiro de segurança nacional sob Goodluck Jonathan, acusado de desviar quase 2000 milhões de dólares (122,5 mil milhões de meticais) na compra de armas para lutar contra oBoko Haram.

Muhammadu Buharidecide transferir o centro de comando de operações militares de Abuja para Maiduguri, epicentro da insurgência do Boko Haram. No terreno, as forças de segurança dependem mais de grupos civis de autodefesa, originalmente caçadores que se mobilizaram para expulsar os “jihadistas”dassuas terras. Esta abordagem está a dar frutos.

O Boko Haram não ocupa mais centros urbanos no nordeste da Nigéria. Os “jihadistas”estão a perdera floresta de Sambisa, uma área estratégica a sudeste de Maiduguri.Para o Exército é uma vitória importanteporque este terreno hostil de 60.000 km² foi desde o início da crise a base segura de Abubakar Shekau. Este antigo reduto do Boko Haram está localizado na fronteira com os Camarões, parceiro preferencialda Nigéria nesta luta. Desde a criação da Força Multinacional Conjunta,em 2015, soldados nigerianos e camaroneses trocam informações sobre os movimentos dos “jihadistas”e coordenam as suas operações. 

Acuados, os “jihadistas” decidemem 2015 jurar lealdade ao grupo terrorista Estado Islâmico. As bandeiras do EIagora flutuam nas suas viaturas 4X4. Além deafinidades ideológicas e políticas, através desta lealdade“Abubakar Shekau procura um certo reconhecimento”, analisa o pesquisador Corentin Cohen. No entanto, este gesto amplifica as divisões internasno grupo insurgente. O EI designa Abu Musab Al-Barnawi chefe do movimento, em detrimento do Shekau, frequentementedado por  morto ou gravemente ferido.

As duas facções emergem com duas estratégias radicalmente diferentes.De um lado, a facção fiel a Abubakar Shekau, presente na fronteira com os Camarões e do Níger. Ela incorpora uma linha dura e sectária.Do outro, a facção da província Islâmica daÁfrica Ocidental (ISWAP), baseada nas ilhas e ao redor do lago Chade. Influenciado por Mamman Nur, essa tendência mostra-se mais aberta às populações locais.“Essa facção actua em moldes de um quase-estado”, observa Vincent Foucher, pesquisador doCentro Nacional de Pesquisa Cientifica (CNRS, sigla em francês). “Eles têm acesso à saúde, regulam os mercados e organizam canais de comércio. Eles entendem que énecessário adoptar uma atitude menos sectária”, continua oanalista.“Isso faz parte da nova campanha queempregam a partir de 2016-2017 para relançar a ofensiva”,  conclui.

O grupo estádividido, mas ainda mantém considerável capacidade deacção. Entre Julho e Dezembro de 2018, há pelo menos 22 ataques do ISWAP contra bases militares, que a cada acção perdem muitos itens,especialmente armas que os terroristas se apoderam. Apesar do voluntarismo do Presidente Buhari, que continua repetindo que o “Boko Haram estátecnicamente derrotado”, no terreno, as Forças Armadas nigerianas parecem às vezes pouco reactivas, ou mesmo sub-equipadas. Por exemplo, em Arege, em 29 de Novembro de 2018, quando membros do Boko Haram chegam em motocicletas e pickups, brandindo kalachnikovs, “os soldados ficaram sem muniçõesapós repelirem com sucesso o ataque”, diz um oficialsob oanonimato.

O Exército nigeriano lutapara se superar. Envolto em problemas recorrentes de corrupção “o Exército nigeriano carece de recursos e as suas tácticas não são ajustadas”,  disse Yan St-Pierre. Quanto à Força Multinacional Conjunta,ela tarda ainda em estar plenamente operacional devido à falta de financiamentos.

BINETA DIAGNE, RFI

    Fonte:Jornal Notícias

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