Neste ano, uma missão do FMI esteve em Moçambique e constatou que o Banco de Moçambique opera num quadro de vazio institucional, não havendo quem lhe escrutine quanto à justeza e pertinência das medidas e decisões que toma. “Carta” faz um levantamento de medidas controversas do Banco de Moçambique, as quais, num contexto saudável de “checks and balances”, suscitariam dúvidas sobre a capacidade de gestão do seu Governador e equipa.

 

  1. A instituição dirigida por Rogério Zandamela, Governador do BM, protagonizou mais um escândalo ao ser agraciado, pela segunda vez, com a classificação de Opinião Adversa, dada por um auditor independente às suas contas.
  1. Nos últimos 4 anos, são inúmeros os escândalos protagonizados pelo Banco Central, dos quais se citam alguns:

1º Instabilidade gerada no sistema bancário pela ruidosa intervenção do Moza Banco, sem devida sustentação legal do acto.

2º Liquidação do Nosso Banco garantindo aos depositantes, num primeiro momento, o levantamento de apenas 20,000 meticais, que criou o pânico junto de depositantes e o caos na economia e sociedade, gerando efeitos negativos em toda a banca, originando corrida dos depositantes.

3º Vários conflitos de interesse denunciados pela Comissão Central de Ética Pública (Deliberação nº 11/CCEP/2017 de 19/07) no processo de recapitalização, em processo submetido à PGR.

4º Apagão electrónico determinado pelo Governador do Banco, que paralisou por vários dias, as transações electrónicas de todos os bancos comerciais, gerando prejuízos avultados nas instituições e empresas e o sofrimento nas famílias, com efeitos dramáticos em todo o País e no mundo inteiro, com bloqueamento total do sistema de pagamentos.

5º Fragilidades da supervisão bancária que, de forma leviana e impune, acusou os antigos gestores do Moza de gestão danosa, num processo que a PGR mandou arquivar, por insuficiência de provas fornecidas pelo BM, tendo ilibado os 9 gestores.

6º Opinião adversa conferida às contas do BM de 2017 pelo auditor independente, a KPMG;

7º Não publicação das contas anuais de 2018 no prazo regulamentar – só foi publicado 2 anos depois e com um carimbo de Opinião Adversa, uma categoria que não ilustra ninguém, nem honra.

8º Opinião adversa conferida pela PwC, auditor independente, às contas do BM de 2018

  1. A forma discriminatória e persecutória como o supervisor tem tratado membros do Conselho de Administração e ou da Comissão Executiva dos vários bancos comerciais, tem gerado um clima de medo e instabilidade no sistema bancário, principalmente depois do apagão electrónico, no qual se destacaram alguns banqueiros que a bem do País, agiram junto do Governo e, conseguiram reverter o colapso do sistema de pagamentos electrónicos de Moçambique.

A fragilidade técnica e legal dos processos empreendidos e a forma rocambolesca como tem agido, granjeou-lhe o jocoso epíteto de Xerife, pelas intervenções altamente polémicas e inconsistentes quando se dirige aos orgãos de informação no final das reuniões do Comité de Política Monetária.

  1. Nas empresas com boas práticas de governação, a seguir a estes 2 cartões amarelos, aos reincidentes, é-lhe(s) estendido um cartão vermelho-directo, como nos jogos de futebol. É uma questão de decência e da necessidade da separação do trigo do joio.
  1. O site electrónico http://www.bancomoc.mz/fm_pgTab1.aspx?id=106apresenta detalhadamente as Demonstrações Financeiras do BM de 2018 (adiante referido com DF BM 2018) e o respectivo relatório de auditoria independente, do qual se cita:

                a)Opinião Adversa do auditor (Pg. 6 de BM DF 2018)

    O Relatório de auditoria assinado pela PwC, refere que as contas do BM (citação) “não apresentam de forma apropriada a posição financeira individual e consolidada do Banco de Moçambique em 31 de Dezembro de 2018” porque “o Banco e Moçambique não consolidou as demonstrações financeiras da Kuhanha – Sociedade Gestora de Fundo de Pensões do Banco de Moçambique e tem este investimento registado como custo. De acordo com as Normas Internacionais de Relato Financeiro, esta subsidiária é controlada pelo Banco de Moçambique e devia ser consolidada. A consolidação da Kuhanha … originaria impactos materiais em muitos dos elementos das demonstrações financeiras. … entendemos que a prova de auditoria que obtivemos é suficiente e apropriada para proporcionar uma base para a nossa opinião adversa “(fim da citação)                 

        b)Posição do BM (Pg. 18 e 19 das DF BM 2018)

    O Conselho de Administração do BM refere:

  1. “A… Kuhanha, que apresenta a situação líquida positiva, opera no ramo de gestão de fundos de pensões. É classificada como uma entidade de interesse público”
  2. “Assim, em observância às normas contabilísticas emitidas pelo regulador e dada a ausência de um sentido económico relevante que o justifique, a Administração do BM entendeu se afastar do requisito previsto na IFRS 10 – Consolidação de Contas para efeitos de apresentação das Demonstrações Financeiras”.
  1. Sobre esta posição expressa pelo BM resulta claro que:

     a) A situação líquida positiva da Kuhanha terá de ser aferida a publicação das contas auditadas da Kuhanha, incluindo a consolidação dos prejuízos do Moza, no qual detém a maioria do capital.

     b) A Kuhanha e o Fundo de Pensões dos Trabalhadores do BM, são entidades distintas e servem os interesses privados trabalhadores do BM.

Diferentemente da classificação do BM, salvo demonstração em contrário, nem a Kuhanha nem o Fundo de Pensões dos Trabalhadores do BM, servem o interesse público,

  1. Tentativas de dourar a pílulanão resolve os problemas. Estamos perante uma Opinião Adversa, uma notação muito grave e é fundamental esclarecer os temas em aberto.

    a) Os subterfúgios utilizados pelo Banco Central para não se consolidarem as contas da Kuhanha, resultam da necessidade de a sua Administração apresentar o lucro de 1,5 mil milhões de Meticais, no exercício económico de 2018 (Pg. 10 das DF BM 2018).

     b)O BM refere na (Pg. 17 das DF BM 2018) que “dada a ausência de sentido económico que o justifique, a Administração do BM entendeu afastar-se do requisito previsto na IFRS 10 – Consolidação de Contas”.  De uma ´cajadada´ a Administração do BM (regulando em seu próprio benefício) anula um requisito fundamental das Normas Internacionais de Relato Financeiro (IFRS) para não evidenciar os seus efeitos negativos da sua gestão.

     c)Ao não consolidar a Kuhanha, a Administração do BM quer excluir das Demonstrações Financeiras de 2018, a seguinte realidade financeira que, diferentemente do que diz a Administração do BM, tem um sentido económico muito relevante, que envolve vários biliões de Meticais, a saber: 

         i. A Kuhanha foi tomadora de um empréstimo no montante de 11.712 milhões de Meticais, conforme consta da Pg.44 do Relatório e Contas do BM de 2017, já amplamente divulgado por envolver violação do artigo 42 da Lei Orgânica do BM.

        ii. A Kuhanha é accionista maioritária do Moza Banco, detendo 59,4% das suas acções, para o qual pagou 11.712 milhões (valor igual ao cedido pelo BM). Esta qualidade de accionista, consta das Demonstrações Financeiras do Moza nos anos 2017, 2018 e 2019 e, a título de exemplo, consta das páginas 68 e 69 das Demonstrações Financeiras do Moza Banco do 1º semestre de 2020

 – ver https://www.mozabanco.co.mz/pt/institucional/informa%C3%A7%C3%A3o/relat%C3%B3rios-de-contas/

     d)Estes relatórios que são do domínio público, referem que o accionista do Moza Banco é a Kuhanha, SA. e não o Fundo de Pensões dos Trabalhadores do Banco de Moçambique, que é uma entidade diferente.

Sendo accionista do Moza, a Kuhanha deve assumir no seu balanço, a quota parte dos seus prejuízos    – ver https://www.mozabanco.co.mz/pt/institucional/informa%C3%A7%C3%A3o/relat%C3%B3rios-de-contas/

Este sítio electrónico do Moza contém os balanços que permitem apurar os prejuízos acumulados desde 2017 até ao 1º Semestre 2020, que somam (-) 3,8 mil milhões de Meticais (cerca de US$ 55 milhões), ao que devem acrescer os 3 meses de Outº a Dezembro de 2016, pós-intervenção, que afectaram significativamente o seu valor pela via da acentuada sangria de depósitos, que não estão disponíveis. O montante que daqui resultar não é desprezível, não!

  1. Os nossos cálculos reproduzem apenas os dados obtidos na internet. Os auditores concluiriam certamente números mais precisos.

         a)Este é, no mínimo, o impacto negativo que o Moza Banco causará no balanço da Kuhanha, que terá de ser transportado para o balanço do BM, quando se consolidarem as contas, em conformidade com o Parecer da KPMG e a PwC.

         b)Este montante anula o lucro apresentado pelo BM –a Administração do BM receia consolidar estas contas, porque demonstra uma parte do custo da intervenção desastrosa pelo Banco Central, cuja saga ainda não terminou.

  1. Estes prejuízos têm rosto concreto que, cedo ou tarde, será essencial no apuramento das responsabilidades. E, isto porque o Banco de Moçambique é um banco 100% pertencente ao erário público. É muito dinheiro que está em jogo que terá de ser escrutinado e responsabilizado.
  1. O apuramento das responsabilidades neste âmbito compete às autoridades que velam pela boa governação dos fundos públicos.

Apesar de o líder, se arvorar ter as costas quentes provenientes de Washington, este é o adequado momento para o FMI, Banco Mundial, o BAD, o BEI e as centrais de cooperação estarem atentos ao que se está a passar, no seio da instituição Banco Central.

Uma audição parlamentar sobre as políticas e práticas do BM, a realizar após a elaboração de um relatório por especialistas sobre esta matéria complexa, ajudaria os representantes do Povo na Assembleia da República clarificar as preocupações dos cidadãos e das instituições.

Em tempo:

As Demonstrações Financeiras do BM de 2018 apresentadas no site eletrónico do Banco Central   http://www.bancomoc.mz/fm_pgTab1.aspx?id=106  apresentam 2 novos elementos que requerem reflexão:

  1. Em 2018, num ano em que a taxa de inflação foi inferior a 4% e, sem que tenha verificado crescimento do número de trabalhadores, os encargos com o pessoaldo BM foram: 

        a) Remunerações dos orgãos de gestão” + 27,3%

        b) Remunerações dos empregados” + 26,6%

        Fonte: Nota 29 das Demonstrações Financeiras de 2018 do BM (pg. 60)

             

     A estas remunerações acrescem encargos sociais e outras despesas com pessoal.

     Quem mais nesta terra generosa vai querer ouvir discursos de austeridade? Qual a moral?

  1. A Dívida contraída pela Kuhanha perante o BM reduziu de 11,7 mil milhões de Meticais para 4,0 mil milhões de Meticais. Isto significa que a Kuhanha transferiu recursos próprios da ordem de (-) 7,6 mil milhões de Meticais, para o Banco Central para reduzir a dívida contraída no ano anterior. O montante é tao avultado que requer ser reescrito: (-) 7,6 mil milhões. de Meticais – isto corresponde a mais de 100 milhões de dólares dos EUA.

Os temas acima devem ser urgentemente esclarecidos. E, é urgente, a Kuhanha divulgar o seu Relatório e Contas auditados, dos últimos anos, para se clarificar a origem de tão avultados recursos – Fonte: Página 49 das Demonstrações Financeiras do BM de 2018 do BM.(Marcelo Mosse)

Fonte: Carta de Moçambique

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