De vez em quando: Bebedores de “xipawana” e o coronavírus! – Alfredo Macaringue

 

O QUE admiro neles é a solidariedade mútua. Mas também me entristecem as  condições em que geralmente se reúnem. Não há higiene nos lugares onde demandam para beber. O único copo que usam não passa pela água, e se passa, é de forma superficial, em recipiente contendo água usada várias vezes. Mas eles estão ali, todos os dias, vivendo cada dia como se fosse o último. Sem se importarem com o que se passa à sua volta, nem com o coronavírus.

Nas pequenas voltas que dei pelo bairro, depois da promulgação do decreto presidencial que declara o estado de emergência, reparei que nos bebedores de “xipawana”, e outra bebidas tradicionais, não mudou nada. O silêncio é o mesmo que vem sendo glorificado desde os tempos. As beatas de cigarro ainda vão dando cabo dos pulmões destes homens sem futuro. O único copo continua a deslizar com a mesma velocidade para dar ainda mais cabo dos corpos já transformados em carcaça.

Entrei numa das “adegas” onde muitos me conhecem, sem disfarce. Sabia que a minha presença podia criar algum desconforto, porém jamais iria ser rejeitado pelo respeito que eles nutrem por mim. Vi sorrisos de júbilo quando cheguei e saudações entusiasmadas, mas tudo aquilo era uma bajulação porque sabiam que dali eu não sairia sem pagar “uma”.

Efectivamente foi o que fiz. Depois da saudação cordial, chamei a senhora vendedeira e dei orientações para que abastecesse em quantidades razoáveis de bebida a todos os presentes. Houve uma salva de palmas, fraca, dada a incapacidade física destes homens condenados à destruição. Alguns quiseram abraçar-me, mas de entre eles saiu uma voz a impedir o acto, e dizia: vocês ainda não ouviram falar do coronavírus?

Sem grande surpresa, notei que muitos deles não dão muita importância à informação sobre o vírus que está a aterrorizar o mundo. Uns perguntavam: mas esse tal bicho afinal vem de onde? Desde que nascemos nunca ouvimos falar de algo com tamanha força destrutiva! “Hi file” (vamos morrer!).

No fundo estes meus compatriotas ou não conhecem até onde vai a perfuração letal do vírus, ou já nãose importam com nada, nem com a sua própria vida. Porque enquanto comentavam o assunto do dia, não paravam de beber, usando o mesmo copo, a mesma caneca, o mesmo garrafão, o mesmo lugar minúsculo. Isso é que me faz muito triste. E para não verter as minhas lágrimas, perante tamanha desgraça, despedi-me com vénia, e ainda fui a tempo de ouvir alguém, de entre eles, a perguntar: “Ata hi kwini ye lweyi”? (de onde vem este indivíduo?).

A luta continua!

    Fonte:Jornal Notícias

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