Há câmaras de videovigilância que podem ter captado as imagens do carro, no qual seguiam Elvino Dias, Paulo Guambe e a outra ocupante até ao local da execução do crime. O criminalista Paulo de Sousa diz que as entidades que tenham as imagens devem colaborar com a investigação do caso, mas é da opinião de que o SERNIC pode ter dito que as câmaras não funcionam para não comprometer as provas.
Quase duas semanas depois do assassinato do advogado e assessor jurídico de Venâncio Mondlane e do mandatário nacional do partido PODEMOS, “O País” voltou ao mercado 04 de Outubro, mais conhecido como Pulmão, para compreender como tudo aconteceu.
E naquela trágica sexta-feira, segundo testemunhas, Elvino Dias terá chegado ao Pulmão no fim da tarde.
“Ele estava sempre aqui, quando chegasse fim-de-semana. Era filho da casa. Conversava com os amigos enquanto tomavam uma cerveja. No dia do seu assassinato, não foi diferente. Esteve aqui por volta das 17 horas. No seu estilo característico, Elvino falava com todos. Aliás, ele nem ficava no mesmo sítio de tanto conversar”, descreveu uma testemunha, na condição de anonimato.
Desde as primeiras horas que Elvino Dias chegou ao Pulmão, ninguém tinha notado a presença de pessoas estranhas no seu ambiente.
“Todos que estavam com Elvino Dias eram pessoas próximas, incluindo nós que trabalhamos no mercado. Mesmo esses carros de que tanto se fala, nós não vimos. Pelo menos não estacionaram aqui no Pulmão. Só ouvimos falar de tais viaturas depois do assassinato que chocou a todos nós”, contou.
As nossas fontes desmentem o facto de o advogado ter se envolvido numa briga por questões conjugais.
“Não é verdade que tenha havido uma discussão. Nem tinham muitas mulheres no seu meio”, rebateu a nossa fonte.
Naquela noite, Elvino Dias não foi a única vítima. Paulo Guambe, também, foi assassinado.
Na verdade, o mandatário nacional do partido PODEMOS acabava de sair de um programa televisivo. Caminhando pela Rua da Resistência em direção à Avenida Joaquim Chissano, Guambe é chamado por Elvino para se juntar a si.
Entretanto, não foi de imediato que o mandatário nacional do partido PODEMOS aceitou o convite.
“Ele estava a caminhar em direção à Avenida Joaquim Chissano. Parece que os dois, Elvino Dias e Paulo Guambe, não eram muito amigos. Mas estavam unidos por uma mesma causa e no mesmo partido. Guambe não aceitou parar quando Elvino o chamou. Depois de dar alguns passos, surge uma outra voz que insistia que ele tinha de se juntar ao grupo e ele aceitou. Recuou e juntou-se aos outros”, narrou a nossa fonte.
Com os outros, Paulo Guambe só ficou pouco mais de uma hora porque, segundo informações colhidas no terreno, saíram do local, faltando poucos minutos para meia noite.
“Por volta das 23h40, eles decidem abandonar o local e voltar para casa. Quando eles se preparavam para sair, aparecem duas moças que trabalhavam nas barracas do Pulmão a pedir boleia. Eles aceitaram. Porém, durante o caminho, uma delas lembra-se que não trancou a barraca e pede para descer do carro e voltar. Não sabemos com exatidão onde ela desceu”, detalhou.
Depois disso, os vendedores do Pulmão só ouviram tiros.
“Chegámos a pensar que eram fogos-de-artifício. Eram muitos tiros na sequência. Mas de tudo, só ouvimos que os que estavam connosco há poucos minutos foram assassinados a tiros. Não sabemos quem foi. Só vimos através de vídeos e ouvimos que os assassinos estavam a andar em dois carros de marca BT-50. Foi triste. Até hoje, não dá para acreditar”, disse a testemunha, com uma voz carregada de revolta.
Porque o acesso directo à Avenida Joaquim Chissano está bloqueado por conta das obras, depois de saírem do Pulmão, Rua da Resistência, Elvino Dias, Paulo Guambe e a moça que pediu boleia, seguiram viagem pelas ruas Do Monte Tumbine, Do Licenciado Coutinho e foram desaguar na avenida Vladimir Lénine.
Da Vladimir Lénine, fizeram o desvio para a Avenida Joaquim Chissano, onde, nos primeiros duzentos metros do troço, foram regados de tiros. Só a moça que pediu boleia é que saiu viva.
Ao longo do percurso que Elvino Dias e Paulo Guambe fizeram, há câmaras de videovigilância que podem ter captado todo o seu trajecto e dos carros que os seguiam até ao local da execução do crime. Já onde os dois foram assassinados, a única câmara que existe é de uma instituição financeira.
Nas imediações do Pulmão, onde o assessor jurídico de Venâncio Mondlane e o mandatário nacional do PODEMOS encontravam-se, não há câmaras de vídeo vigilância.
Contudo, ao longo do trajecto contam-se mais de sete câmaras de vídeo vigilância, dentre as quais da embaixada da Rússia em Moçambique e do Ministério do Interior, montadas em 2016, cujo objectivo era esclarecer alguns crimes.
“As câmaras de vigilância não são de entidades com ligação ao Estado, ao SERNIC ou com órgãos de investigação nacional, mas se lá estão as entidades privadas, há , no âmbito legislativo, o dever de colaboração. Isto quer dizer que se as câmaras estivessem a funcionar, há toda uma necessidade de essas entidades colaborarem com a investigação, cedendo as imagens que é para melhor instrução processual”, referiu o criminalista Paulo de Sousa.
Sucede que, por exemplo, o Serviço Nacional de Investigação Criminal já veio a público dizer que as câmaras ao redor da cena do crime não funcionam.
“O SERNIC não é obrigado a dizer que tem as imagens ou as obteve dessas entidades privadas. Primeiro, para, por via de um pedido dessas instituições, não comprometer a segurança delas mesmas porque pode haver uma espécie de vingança dos outros que não queriam que as imagens fossem difundidas, mas também o SERNIC pode dizer que as câmaras não estavam a funcionar enquanto estavam para melhor instrução processual, uma espécie de segredo para não haver comprometimento da diligência ou da produção da prova”, argumentou Paulo de Sousa.
Sobre a flexibilidade com a qual foram recolhidos todos os vestígios no local do crime, o criminalista Paulo de Sousa entende que pode ter a ver com a pronta disponibilidade da equipa.
“Não se pode concluir que a Polícia agiu para um pressuposto de reflexão de que seja um acto especial. Porventura estivesse a brigada operativa nas proximidades ou redondezas. Ou seja, uma equipa preenchida e pronta para reagir. Então, isto podia ser um facto que justifica a diferenciação na preservação e recolha dos vestígios em eventos que se possam Enquanto isso, o Pulmão, ainda que aos poucos, tenta voltar a respirar depois desse assassinato bárbaro.
Fonte:O País