Durante uma formação a jornalistas sobre procura e oferta de crédito bancário no actual contexto da economia de Moçambique, os oradores (que o Jornal prefere não mencionar) do Banco Central defenderam a tese, segundo a qual, não é o Estado que está a sugar dinheiro que seria emprestado pelos bancos comerciais a empresas e famílias, com vista a dinamizar a economia nacional.

 

Nos últimos anos, o crédito à economia é escasso e muito caro no sistema financeiro moçambicano. Os empresários apontam o Estado como o agente que suga o dinheiro na banca comercial interna para satisfazer suas necessidades decorrentes do défice orçamental, em anos em que as torneiras dos doadores já não jorram divisas directamente ao Orçamento do Estado, por conta da descoberta das dívidas ocultas.

 

Para cúmulo, o terrorismo, os ciclones e outros fenómenos climáticos têm arrasado as empresas. Sem esses motores da economia ou funcionando com limitações, cai drasticamente a colecta de receitas aos cofres do Estado, facto que contribui grandemente para os défices orçamentais. Nesse contexto, gozando do seu privilégio, de melhor mutuário, o Estado (quase não tem risco na hora de pedir empréstimo), tem recorrido à banca para se financiar e suprir despesas de investimento e principalmente de funcionamento (salários, remunerações etc.).

 

Quando a dívida interna contratada, através de Bilhetes ou Obrigações de Tesouro, já é sufocante, é o próprio Banco de Moçambique que vem a público comunicar, após sessões do Comité de Política Monetária.

 

“A dívida pública interna mantém-se elevada. Desde finais de Setembro de 2021, a dívida pública interna, excluindo os contratos de mútuo e de locação e as responsabilidades em mora, aumentou em 1,8 mil milhões para 218,6 mil milhões de Meticais, num contexto em que se mantém a perspectiva da pressão orçamental, associada às despesas públicas para a contenção da propagação da pandemia da Covid-19, assistência humanitária e reconstrução das zonas afectadas pelos ataques terroristas em Cabo Delgado”, lê-se no último comunicado, de 17 de Novembro último.

 

Elevada dívida do Estado preocupa privados

 

Os níveis elevados de endividamento não são bem colhidos por parte do sector privado, pois, para os empresários, quanto maior é o endividamento do Estado, menor é a disponibilidade de recursos para as empresas e famílias (crowding out). Como consequência, o sector tem recorrentemente repudiado e desencorajado a atitude do Estado levada a cabo pelo Banco de Moçambique.

 

Em verdade, o crédito à economia caiu drasticamente nos últimos seis anos. Dados ilustrados durante a formação, dão conta que, se em 2015, o crédito à economia foi de 19.4%, no ano seguinte, caiu para 12.4%. O estrondo verificou-se em 2017 em que a queda foi de menos 13.7%. Em 2018, houve alguma recuperação, a queda foi de menos 2.8%. De 2019 a Setembro de 2021, o cenário mudou. Neste período verificou-se aumento considerável do financiamento à economia, através do crédito bancário, de 4.6%, 14.6% e 2.9% respectivamente. Ainda assim, no mesmo período, o endividamento do Estado aumentou, tendo partido de 9.6% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2015, para 21% do PIB (avaliado em 974.5 biliões de Meticais) em 2020.

 

Esse facto lesou de alguma forma o crescimento da economia nacional naqueles anos, pois, o crédito à economia aumenta o investimento, que eleva o acesso aos recursos financeiros e também do consumo, estimulando os negócios e o incremento da taxa de emprego. Dados do Banco de Moçambique indicam que o PIB caiu em 2015, de 6.7% para -1.2% em 2020.

 

A abordagem feita até aqui parece sugerir que o elevado endividamento interno do Estado tem mesmo sugado recursos que deveriam ser canalizados ao sector produtivo. Entretanto, durante a formação, os oradores negaram essa afirmação.

 

Explicaram que, apesar do elevado endividamento do Estado, da queda nos últimos anos de crédito à economia, os bancos comerciais sempre foram caracterizados por excesso de liquidez (dinheiro de sobra). Isto é, mesmo que emprestem muito dinheiro ao Estado, continuam com liquidez que pode ser repassada às empresas e famílias.

 

Dados do Banco de Moçambique ilustram que, de 2015 ao ano seguinte, a liquidez bancária partiu de 21 biliões para 61 biliões de Meticais. Em 2017, ano em que os bancos emprestaram menos (-13.7%), a liquidez dos bancos duplicou, tendo-se situado em 110.3 biliões de Meticais. Nos anos seguintes até 2020, a liquidez caiu, situando-se em 24.9 biliões, 29.4 biliões e 21.8 biliões de Meticais, respectivamente.

 

Perante o facto, os empresários têm sempre se questionado, onde está essa liquidez excessiva se não se faz sentir na economia? A resposta foi simples. Os bancos comerciais reduziram os empréstimos, mesmo com excesso de liquidez, após converterem: a) os efeitos da suspensão da ajuda externa, em 2016, devido ao problema das dívidas não declaradas; b) as calamidades naturais; c) os conflitos nas zonas norte e centro do país e, d) as restrições à actividade económica por causa da pandemia da Covid-19, em riscos do mercado, onde o empresário e cidadãos estão mergulhados.

 

Com esses riscos, aliados ao baixo crescimento do PIB, os bancos comerciais sabem que a capacidade de reembolso dos empresários e do cidadão caiu porque a actividade económica não favorece (há menos rendimento; desempregos, etc.). Dados partilhados durante a formação mostram que, no período em análise, os bancos registaram o aumento do montante do crédito concedido e não pago pelos clientes. Em 2015, o rácio de incumprimento foi de 4.3%, em 2017 atingiu o pico, de 12.6%, mas nos anos seguintes o rácio tende a baixar, situando-se em 9.8 até Setembro de 2021.

 

Por outras palavras, perante os riscos, os bancos comerciais tornaram-se mais cautelosos na concessão do crédito e mantendo níveis elevados de dinheiro ou liquidez na Facilidade Permanente de Depósitos no Banco de Moçambique, onde a liquidez nasce outra liquidez, sem nenhum risco.

 

Como o Banco Central influencia o crédito à economia?

 

O Banco de Moçambique, como regulador do sistema financeiro moçambicano, tem um papel preponderante no aumento do crédito à economia, mantendo a inflação baixa e estável, com a alteração da taxa de Política Monetária, MIMO, e, por essa via, influenciar o nível da procura de bens e serviços.

 

Em contrapartida, o Banco Central acredita que, a curto prazo, os níveis de crédito à economia aumentem dependendo da remoção dos constrangimentos (riscos acima aludidos) que impedem a retoma da actividade económica, aliando tal facto com o arranque no próximo ano da exploração do gás natural de Rovuma.

 

A instituição acredita que, a médio e longo prazo, a expansão do crédito à economia irá depender do aprofundamento das reformas estruturais, que se traduzem no fortalecimento das instituições e na melhoria do ambiente de negócios no país, facto que permite o aumento do rendimento das pessoas e das empresas de forma consistente ao longo do tempo, e o consequente incremento da sua capacidade de endividamento. (Evaristo Chilingue)

Fonte: Carta de Moçambique

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